sexta-feira, 4 de maio de 2012

Líbia: quem celebra o quê?


Festejos da Vitória?

Assista ao vídeo:
Por: Rolando Segura
Do: rolando segura blog, em 17fev2012


O auto-proclamado governo da Líbia, o Conselho Nacional de Transição (CNT), enfeita por estes dias as ruas e avenidas com a bandeira tricolor da monarquia – com uma meia-lua e uma estrela – desempoeirada faz exatamente um ano por aqueles que estavam apostando em derrubar Qaddafi.
Eles tentam manter os chamados “Festejos da Vitória” no primeiro aniversário do início do que o eco midiático insiste em chamar de "Revolução", "Levante" ou "Rebelião" da "Primavera Árabe Líbia".
Mas o historiador e especialista em terrorismo dos EUA, Dr. Webster Griffin Tarpley, insiste em denominar de outro modo os dramáticos fatos que desencadearam em uma mudança de regime no país norteafricano, logo após a captura, tortura, sodomização e assassinato de Muammar Qaddafi em Sirte, em 20 de outubro de 2011.
Tarpley assegura que se tratou de um "golpe de estado militar, planejado com suficiente antecedência e cujos ingredientes salpicam a França, a Inglaterra, os EEUU e seu aliado Al Qaeda".
Poucos meses atrás, em Tripoli, em meio ao bombardeio da OTAN, tal qual outros pesquisadores como o francês Thierry Meyssan (da Rede Voltaire) e o belga Michel Collon, Tarpley me fazia essas declarações para argumentar que o que aconteceu na Líbia não respondia a um movimento espontâneo de toda a população, como na Tunísia ou Egito. Tratava-se de toda uma operação perfeitamente pensada pelos serviços secretos ocidentais.
De acordo com Tarpley, "existe um acordo secreto de 2 de novembro de 2010 assinado entre os franceses e os britânicos, no qual os dois países decidiram em conjunto que atacariam a Líbia. A operação foi batizada com o pseudônimo de 'Mistral do Sul', que significa 'Ventos do Mediterrâneo'."
Diversas reportagens de imprensa dão conta de que forças especiais da OTAN já estavam no leste da Líbia em meados de fevereiro, justamente quando começaram as primeiras manifestações da oposição. "Franceses, britânicos e norteamericanos", recorda o historiador e especialista em terrorismo dos Estados Unidos.
Tudo parece indicar que o roteiro aplicado na Líbia encontrou terreno fértil nas contradições internas do país como o desenvolvimento desigual entre suas regiões, a corrupção generalizada, o incremento do desemprego e as aspirações insatisfeitas de democracia e respeito aos direitos humanos.
Foi assim que no início de fevereiro Thierry Meysan também me assegurou: "havia manifestações todas as semanas em Benghazi, dessas pessoas que livremente exigiam justiça pelos mortos em uma rebelião numa prisão, onde muitas pessoas foram mortas na tentativa de sufocar o motim.
Mas "em 17 de fevereiro", acrescentou o pesquisador da Rede Voltaire, "no decurso dessas manifestações intervieram elementos armados disparando desde um lugar desconhecido. Ainda não sabemos como tudo isso se passou, inclusive houve mortos na manifestação. A OTAN disse que foi o governo que ordenou disparar contra os manifestantes e o governo disse que não foi assim".
Imediatamente armas apareceram em todos os lugares. De repente também proliferaram pessoas com sotaque muito diferente do árabe falado na Líbia. Várias fontes asseguram que os combatentes da Al Qaeda chegaram desde o Afeganistão, o Iraque e a prisão de Guantánamo.
Quase em uníssono a imprensa também divulgou mensagens não verificadas de Twitter falando sobre 6.000 mortos, ainda que logo depois se descobriu que foram pouco mais de 200 os mortos.
Já então havia sido posta em marcha, como uma corrida contra o relógio, a estrutura de assédio econômico, diplomático, militar, midiático e psicológico contra a Líbia.
Sem informe nem investigação oficial do Secretário Geral ao Conselho de Segurança acerca do ocorrido na Líbia, a ONU legitimou o uso da força e todas as medidas necessárias contra a Líbia para supostamente "proteger os civis".
A espanhola Leonor Masanet, psicóloga de profissão e blogueira por paixão, conhece a Líbia e sua cultura como a palma da sua mão. Foi uma testemunha excepcional do bombardeamento de Trípoli pela OTAN e sob o estrondo dos mísseis confiava na qualidade negociadora dos líbios para encontrar uma saída pacífica. "São muito árabes nesse sentido e estou segura de que nunca teriam chegado aos enfrentamentos de armas, se não tivesse uma influência externa que alimentou, que armou e que provocou a partir do exterior o que está acontecendo", disse Leonor.
A verdade é que em 19 de março começou a operação militar para supostamente proteger os civis na Líbia. Depois de mais de 26.328 incursões aéreas da OTAN, das quais 9.658 foram ataques com bombas e mísseis, o Ministério da Saúde líbio calculava em cerca de 30.000 civis mortos por essas ações. Outras fontes elevam o número de mortos a 100.000.
Mas quatro meses depois de oficialmente declarado o fim da guerra na Líbia, os civis continuam em risco.
De acordo com o próprio chefe do CNT, Mustafa Abdeljalil, seu país ruma para uma guerra civil se não for alcançado logo o desarmamento dos homens que apoiaram a OTAN para derrubar Qaddafi, e que agora se enfrentam entre sí, buscando partes de poder e influência no novo governo.
Ante tal situação, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon solicita agora "a todos os líbios para se juntarem num espírito de reconciliação, para mostrarem que uma revolução feita em nome dos Direitos Humanos não pode ser manchada pela violência, mas deve levar à justiça e a um Estado de Direito."
Mas o caos é tal que se torna incômodo não vê-lo para as organizações internacionais como a Human Rights Watch, Médicos Sem Fronteiras, a Anistia Internacional (AI) ou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).
Esta semana, por exemplo, a Anistia Internacional, no relatório "As milícias ameaçam a esperança por uma nova Líbia", denuncia os "graves abusos" e "crimes de guerra cometidos por estas milícias, contra presumidos partidários de Muammar Qaddafi".
Depois de visitar, de janeiro a início de fevereiro, onze centros de detenção controlados pelos rebeldes ou "revolucionários" no centro e no oeste da Líbia, em 10 deles a Anistia Internacional constatou que os detentos foram “torturados ou maltratados”. Muitos confessaram crimes de estupro ou assassinato que nunca cometeram, “apenas para por fim à tortura que sofriam."
Uma conselheira especial da Anistia Internacional, Donatella Rovera, também revelou que "havia pessoas detidas ilegalmente e torturadas, às vezes até à morte." E disse mais: "A maioria das milícias na Líbia está fora de controle e a impunidade generalizada de que gozam estimula a violência e perpetua a instabilidade e a insegurança no país."
Por sua parte, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) disse por estes dias que mais de 8.500 pessoas continuam encarceiradas sem acusações formais e que milhares de dispositivos (minas) sem explodir permanecem no solo de diferentes regiões do país, como “uma ameaça para os civis que tentam recuperar suas vidas".
Enquanto isso, continuam os confrontos entre grupos tribais e entre os ex-rebeldes e supostos simpatizantes do antigo regime. Somente durante a última semana cerca de 30 pessoas perderam a vida nos combates entre milícias das tribos dos Tubus e dos Zuwaya na cidade de Jufra, no Sul da Líbia.
A guerra parece não haver terminado.


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