sábado, 26 de maio de 2012

A roubada de Veja nas eleições goianas

Delegado revela em CPI que diretor da Veja sabia sobre ligação de Cachoeira e Demóstenes

Do: Jornal da Record
(publicado originalmente em 11maio2012)


O depoimento do delegado da Polícia Federal, Matheus Mela Rodrigues, à CPI foi um dos mais importantes até o momento. A revista Carta Capital publicada nesta sexta-feira mostra que o delegado falou sobre a relação de Cachoeira com a imprensa. Rodrigues afirmou que o diretor da revista Veja em Brasília, Policarpo Junior, sabia das ligações entre o contraventor e o senador Demóstenes Torres. Mesmo assim, a Veja exibia o parlamentar como uma referência ética no Senado. A Carta Capital destaca ainda o fato de Policarpo ser o único jornalista da grande imprensa que aparece sistematicamente nas gravações.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Veja e Gurgel: estelionato contra os goianos?

Revista Veja e casal Gurgel levam o Crime Organizado ao comando político de Goiás

Goianos em passeata: Fora Perillo e Demóstenes!!!

14 de Abril de 2012. Praça Cívica de Goiânia - GO

Em Goiás há uma pergunta no ar: “O que aconteceria se, em 15 de setembro de 2009, o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, e sua esposa, a procuradora Claudia Sampaio, tivessem pedido a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e os deputados federais Carlos Alberto Silva (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO)?”.
Em depoimento à CPMI, o delegado responsável pela Operação Vegas, Raul Souza, disse que entreguou no dia 15 de setembro de 2009, ao Procurador Gerald a República, Roberto Gurgel, inquérito que mostrava as relações do senador Demóstenes Torres (DEM) e dos deputados Sandes Júnior (PP) e Carlos Lereia (PSDB), com o esquema do bicheiro Cachoeira. Um més depois em outubro de 2009, recebeu um telefonema da esposa de Gurgel, a subprocuradora-geral Cláudia Marques, pedindo que fosse à sede da PRG. Na conversa a procuradora informou que não detectara indícios suficientes para denunciar Demóstenes e os deputados ao STF . 
Ao engavetar o inquérito da Operação Las Vegas, Gurgel e sua cônjuge interferiram diretamente no destino de quase seis milhões de goianos.

Santos com pés de barro
Demóstenes Torres reelegeu-se vendendo a imagem de paladino da moralidade tão bem construída com ajuda da revista Veja, em matérias como: “Os mosqueteiros da ética” (Edição 2015 de 04 de julho de 2007):

(Sic)"…o outro é o incansável senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás. No Conselho de, digamos assim, Ética do Senado, ele é uma das únicas vozes a exigir investigações sérias e denunciar as manobras para absolver sem apurar"
Carlos Alberto Silva, o Leréia era o porta-voz da candidatura do senador tucano Marconi Perillo ao governo de Goiás em 2010. Seu alvo principal, o governo de Alcides Rodrigues (PP), que governou Goiás de abril de 2006 a dezembro de 2010. Leréia passou de aliado a detrator de Alcides quando este assinou em 14 de janeiro de 2008 o decreto extinguindo a Superintendência de Loterias da Agência Goiana de Administração Pública (Aganp). A superintendência era responsável por coibir o jogo ilegal (leia-se caça-níqueis), mas a prática era outra.
O Superintendente da Loteria , indicado por Carlos Leréia era o Procurador Marcelo Siqueira, o mesmo que demitiu-se do governo de Marconi Perillo em abril do cargo de Procurador-Chefe Administrativo da Procuradoria-Geral do Estado. Siqueira é citado como um dos beneficiários da quadrilha de Cachoeira em relatório do delegado da PF Deuselino Valadares, em 2006, antes do policial ser cooptado pelo grupo.

Votos de Demóstenes e dinheiro de Cachoeira na eleição de Marconi

Demóstenes Torres reelegeu-se com mais votos ao Senado do que Marconi Perillo elegeu-se pela terceira vez ao governo de Goiás. Na contagem do primero turno, o senador do DEM teve 2.158.812 votos, contra 1.400.227 votos do governador tucano. Na soma dos votos, os adversários de Marconi ficaram à frente: Iris Rezende (PMDB) teve 1.099.552 votos e Vanderlan Cardoso (PR), 502.462 votos. No segundo turno, Marconi venceria por pequena margem: 1.551.132 votos contra 1.376.188 dados ao peemedebista, ou seja, 174.944 votos a mais. Demóstenes teve no primeiro turno 758.585 votos a mais que Marconi e é por isto que era voz corrente em Goiás que “Demóstenes carregou Marconi no segundo-turno”. Sem o “Varão de Plutarco de Veja” Perillo não venceria a oposição.
As Operação Monte Carlo revelaria que não foi só com votos a ajuda de Demóstenes Torres e seu grupo. As empresas-fantasmas de Carlos Cachoeira doaram recursos substanciais à campanha de Marconi Perillo. A Alberto e Pantoja, repassou R$ 800 mil à Rio Vermelho Distribuidora de Anápolis, recursos estes que chegariam ao tucano, conforme registra o portal G1, da Globo:
"Registros do Tribunal Superior Eleitoral mostram que um mês depois das eleições, a distribuidora depositou R$ 450 mil na conta eleitoral de Perillo. A partir da quebra de sigilo bancário, a Polícia Federal também apurou que três meses depois, a Rio Vermelho recebeu R$ 60 mil da Alberto e Pantoja". (Link: http://migre.me/9aJYX)
Outro doador de Demóstenes e sócio de Carlos Cachoeira, também doou para campanha de Marconi Perillo. Matéria do Jornal do Brasil mostra que Marcelo Limirio, ex-dono do Laboratório NeoQuimica e sócio do grupo Hypermarcas, está entre os doadores do tucano:
"A ligação entre o empresário Marcelo Limírio com o senador Demóstenes Torres (sem partido) e o contraventor Carlinhos Cachoeira fica cada vez mais evidente. Além de uma possível influência na venda do Hotel Nacional, como noticiou o Jornal do Brasil na última segunda-feira (16/04), Limírio fez doações para as campanhas de Demóstenes e para o governador Marconi Perillo (PSDB-GO). Escutas da Polícia Federal indicam que Perillo mantinha relações com Carlinhos Cachoeira, assim como outros políticos de Goiás.
Diretamente, Limírio doou R$ 200 mil para a campanha de Demóstenes Torres. (sic) A Hypermarcas ainda doou R$ 500 mil para a campanha de Demóstenes, R$ 500 mil diretamente para Marconi Perillo e R$ 1 milhão para o PSDB de Goiás em 2010, quando o tucano venceu a disputa pelo governo do estado.
Assim que foi eleito, Marconi Perillo nomeou o deputado federal Armando Vergílio (PSD-GO) para assumir a Secretaria das Cidades. Vergílio liderava a Superintendência de Seguros Privados (Susep) quando o órgão leiloou o Hotel Nacional para Marcelo Limírio"
. (Link: http://migre.me/9aKj0)
O JB não citou, mas Marconi também nomeou o genro de Limírio, Alexandre Baldy para Secretaria de Indústria e Comércio do Estado de Goiás.


Al Capone do Cerrado
A Carta Capital desta semana, em matéria assinada por Cynara Menezes, detalha, com riqueza de informações, a lista de crimes de Cachoeira, dos quais Gurgel, sua cônjuge e Veja desviaram o olhar:
"Os crimes de Ramos, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira, listados pela CPI são de assustar: sequestro, cárcere privado, prostituição, jogatina, sonegação fiscal, evasão de divisas, tráfico de influência, corrupção ativa, formação de quadrilha, suborno".
Vale a pergunta que Cynara Menezes faz diretamente à Veja: "Para fazer denúncias sobre o governo, os jornalistas que tinham Cachoeira como fonte encobriram ou não um meliante maior? As denúncias obtidas por meio do esquema do contraventor à base de grampos e gravações clandestinas eram mesmo mais sgnificativas que os crimes que ele próprio praticava?"
Ainda estão por serem respondidas as motivações do casal Gurgel para o engavetamento da Operação Monte Carlo. Quanto a opção editoral da revista Veja, as investigações demonstram que ela preferiu não seguir o conceito do jornalista norte-americano Joseph Pulitzer (1847-1911), que acreditava que o jornalismo era um serviço público destinado às pessoas “pequenas” e não um serviço destinado aos interesses do grande poder. Um serviço que deveria estar ao lado das pessoas, um porta-voz da democracia.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ela doou mais de R$ 8 milhões ao PSDB

A generosidade suspeita de um casal com milionárias relações eleitorais e governamentais demotucanas
Ele contribuiu com vários milhões para o Mensalão do DEM
José Celso Valadares Gontijo, dono da Via Engenharia, um dos mais poderosos empresários do Distrito Federal, no vídeo abaixo entrega pacotes de dinheiro vivo a Durval Barbosa, então secretário de Relações Institucionais do governo José Roberto Arruda. Durval entregou à Polícia Federal (Operação Caixa de Pandora) mais de 130 vídeos que gravou desde o governo Joaquim Roriz ao qual serviu como presidente da Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal).
Ela contribuiu com vários milhões para a Campanha do Serra
clique na imagem para aumentá-la Clique aqui e confirme no sítio do TSE
(informe o nome da doadora no formulário)
Ana Maria Baeta Valadares Gontijo doou R$ 8.250.000,00 para a campanha tucana de 2010, como PESSOA FÍSICA, por meio de sete transferências eletrônicas à Direção Nacional do PSDB realizadas entre agosto e novembro de 2010.
Foi a maior contribuição de uma pessoa física naquela campanha, sendo que a última, de R$350.000,00 mil, foi informada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com data de 26 de novembro, quando a eleição já tinha terminado. A direção tucana declarou ao TSE ter arrecadado R$ 100.000.000,00 em 2010.
É o recorde entre as pessoas físicas.
A lei diz que as pessoas físicas podem doar no máximo 10% de seu rendimento bruto no ano anterior. Significa que Ana Maria  precisa ter ganho cerca de R$ 7.000.000,00 por mês de salário ou renda em 2009 (pelo menos R$ 82.500.000,00 de renda anual).

Ana Maria Baeta Valadares Gontijo e José Celso Valadares Gontijo, nos salões da alta sociedade brasiliense.

O relatório da CPI sobre o mensalão do DEM, feita na Câmara Legislativa do Distrito Federal, dedica um tópico inteiro a José Celso Valadares Gontijo. A íntegra deste tópico pode ser lida nas quatro páginas de um arquivo em PDF clicando aqui.
Chama atenção a parte deste relatório que trata de uma de suas empresas, de telemarketing:
A denúncia sobre o mensalão do DEM veio à tona em dezembro de 2009, com ampla divulgação de vídeos mostrando as transações clandestinas na internet e na mídia. Tratava-se de um esquema de pagamento de propina a políticos do Distrito Federal coordenado pelo governador José Roberto Arruda, do Partido Democratas (DEM), que foi afastado do cargo, preso e finalmente cassado em março de 2010. Segundo jornais da época, com base em informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ligado ao Ministério da Fazenda, o mensalão do DEM movimentou cerca de R$2.700.000.000,00 (dois bilhões e setecentos milhões de reais).
Relações perigosas
O vídeo acima foi gravado por Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal, como parte de sua "delação premiada" com autorização da Justiça Federal. Segundo Durval, o dinheiro que o empresário Alcyr Collaço aparece guardando na cueca refere-se a um contrato realizado entre o Governo do Distrito Federal e a Call Tecnologia e Serviços Ltda., empresa de José Celso Gontijo, dono de outras empresas como a Construtora JC Gontijo, que também mantém outros contratos com o governo do Distrito Federal. Esse dinheiro vai ser distribuído entre os beneficiários do "Mensalão do DEM".
Arruda ia ser o vice de Serra, que disse: “Se eu definisse algo no plano nacional e ele viesse junto, o lema seria 'vote num careca e leve dois'”.
Meses antes do mensalão do DEM vir a público, a NaMariaNews já mostrava que a mesma empresa Call Tecnologia e Serviços Ltda. conquistou um contrato milionário com a Prefeitura de São Paulo, em abril de 2006 (no apagar das luzes da gestão tucana de José Serra antes de passar a faixa ao vice Gilberto Kassab).
A Uni-Repro Serviços Tecnológicos e a Call Tecnologia foram duas empresas de serviços de atendimento telefônico, xerox e outros do gênero, que superfaturavam absurdamente seus preços e depois redistribuiam dinheiro aos participantes do esquema do Mensalão do DEM em Brasília. As duas empresas também mantiveram contratos milionários com a Prefeitura e o Estado de São Paulo nas administrações Serra&Kassab.
Por exemplo, segundo o jornal O Estado de São Paulo, entre 2006 e 2009, a Prefeitura de São Paulo pagou R$ 106,9 milhões às duas empresas, por “serviços prestados”.
Em abril de 2009, a Call Tecnologia e Serviços Ltda. conquistou outro contrato, desta vez com o governo estadual de São Paulo, mas o governador era o mesmo José Serra, que era prefeito em 2006, e o mesmo que foi candidato a presidente em 2010 pelo partido que recebeu os R$ 8,25 milhões da mulher do dono da Call Tecnologia e Serviços Ltda.
Não é preciso fazer ilações para o leitor perceber o mau cheiro que exala desse sistema de financiamento privado de campanha, e porque seus defensores são a mesma turma da privataria tucana: José Serra, FHC, Aécio Neves, Álvaro Dias, José Roberto Arruda, etc.
Lançando uma luz mais atualizada nessa obscura participação do conhecido empresário brasiliense na vida política demotucana nacional, vamos encontrá-lo em uma gravação realizada pela Polícia Federal com autorização judicial, onde ele ou sua empresa que tem o seu nome, é citada como parceira num negócio com a organização criminosa de Carlinhos Cachoeira, enraizada na política institucional de Goiás, juntamente com seus sócios (ex-)ocultos Demóstenes Torres e Marconi Perillo, entre outros.
Se a "CPMI do Cachoeira" averiguar esse "negócio" e seguir o rastro do dinheiro, aonde será que vai dar?


quarta-feira, 16 de maio de 2012

cachoeira









     










-- E aí, meu caro, sentou em cima do processo desde 2009?
-- É, o Demóstenes é meu amigo, veja aí embaixo. Além do mais eu não queria atrapalhar as eleições de 2010: Demóstenes Senador, Perillo Governador e Leréia Deputado.
Goiás quer mais! Veja:
foram 2.158.812 votos para o Demóstenes. Para o Perillo foram 1.400.227 no primeiro turno e 1.551.132 no segundo. O povo goiano adora esses dois, eu não quero atrapalhar. É preciso respeitar a vontade do eleitor.
-- Mas agora eles podem ser cassados.
-- Sim, eles podem. Continuaremos a fazer o possível. Mas se forem cassados o esquema continua, o suplente de senador e o vice-governador assumem e as águas continuarão a rolar.
O povo goiano quer mais! E ele merece muito mais!


sábado, 12 de maio de 2012

A patrana do grampo sem áudio


Delegado Paulo Lacerda espera pedido de desculpas de Gilmar Mendes e Demóstenes (e também de Veja, Policarpo e Cachoeira)

Por Bob Fernandes
Publicado originalmente na Terra Magazine em 07maio2012

O delegado Paulo Lacerda, que por seis anos e meio dirigiu a Polícia Federal e a Abin durante os governos Lula, aguarda um pedido de desculpas. Ele espera (talvez sentado) que Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e o senador Demóstenes Torres reconheçam as respectivas responsabilidades pelos seus dois anos e meio de exílio.

Início da tarde de 9 de setembro de 2008. A sessão vai começar em instantes. O delegado Paulo Lacerda, diretor da Abin, está na ante-sala da Comissão Mista das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. Uma dezena de parlamentares na sala. Sorrateiro, quase sem ser notado, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), ex-secretário de Segurança Pública de Goiás, aproxima-se de Paulo Lacerda e diz:
− Eu o conheço. Sei que o senhor é um homem sério e, com certeza, não está envolvido com estes fatos, com grampos. Estou aqui pessoalmente para lhe prestar minha solidariedade e demonstrar o meu apreço…

Exatos dois meses antes, a Polícia Federal havia prendido o banqueiro Daniel Dantas na Operação Satiagraha, comandada pelo delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal do PCdoB (SP).

No rastro da operação, e tornados personagens de reportagem da Revista Veja de 3 de setembro, o senador Demóstenes Torres e Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), denunciaram: tinham sido grampeados pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, dirigida por Paulo Lacerda.

O juiz Mendes, em companhia de outros ministros do STF, fora ao Palácio do Planalto "chamar o presidente Lula às falas". Paulo Lacerda seria temporariamente suspenso de suas funções; depois, sob intensa pressão política, seguiu para o exílio. Por quase dois anos e meio, com a família junto, Paulo Lacerda foi Adido Policial na embaixada do Brasil em Portugal.

Nessa tarde de 9 de setembro de 2008, Lacerda ouve, perplexo, a manifestação de solidariedade sussurrada por Demóstenes, justamente um dos homens que o acusam de ter comandado grampos durante a Satiagraha. Acusam-no de ter ordenado, ou permitido, escuta ilegal contra um senador da República e um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Recuperado da surpresa, percebendo a pressa de Demóstenes, prestes a deixar a sala, Paulo Lacerda responde ao senador:
− Que bom que o senhor pensa assim, que vê as coisas desse modo. A sessão já vai começar e aí o senhor terá a oportunidade de dizer isso, de dizer a verdade, e esclarecer as coisas…

− Tenho um compromisso, vou dar uma saidinha, mas voltarei a tempo – promete o senador Demóstenes Torres.

A sessão arrastou-se por horas. O senador Demóstenes, o acusador, não voltou.

Naquela tarde, o delegado Lacerda foi duramente questionado. E acusado de ter montado um esquema de grampos ilegais na Abin. Em vão, ele repetia:
− Não comandei, não participei, não compactuei, nem tomei conhecimento de qualquer ilegalidade no procedimento da Abin…

Naquele dia, a estrela da comissão foi o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). Às 16h53, Virgílio perguntou a Paulo Lacerda se o ministro da Defesa, Nelson Jobim, tinha mentido ao dizer que a Abin possuía "equipamento de escutas". Lacerda pediu ao senador para "fazer a pergunta a Jobim".

Levemente exaltado, com um tom avermelhado na pele, o político amazonense bradou: disse não ser um "preso", nem estar "pendurado" num pau-de-arara. E que Paulo Lacerda não estava "numa delegacia" e, sim, numa sessão do Congresso. Como acusado.

Fim da sessão. O senador Arthur Virgílio se aproxima de Paulo Lacerda e discorre sobre o que é a política:
− O senhor entende… eu sou da oposição, temos que ser duros…

Paulo Lacerda é o delegado que comandou a prisão de PC Farias e a investigação do chamado "Caso Collor", quando mais de 400 empresas e 100 grandes empresários foram indiciados num inquérito de 100 mil páginas. Tudo, claro, dormitou nas gavetas do Judiciário, ninguém acompanhou nada e tudo prescreveu.

Anos depois, no governo Lula e com o Ministério da Justiça sob direção de Márcio Thomaz Bastos, por quase cinco anos Paulo Lacerda dirigiu – e refundou – a Polícia Federal. A PF teve, então, orçamento que jamais teve ou voltaria a ter.

Mais de 5 mil operações foram realizadas, centenas de criminosos de "colarinho branco" foram presos, o PCC foi atacado em seu coração financeiro. Na Satiagraha, a PF, já sob direção de Luis Fernando Correa, dividiu-se. Uma banda trabalhou para prender Daniel Dantas e os seus. Outra banda trabalhou contra a Operação; com a estreita colaboração, digamos assim, de jornalistas e colunistas que seguem por aí.

Paulo Lacerda, no comando da Abin, foi acusado por um grampo que nunca ninguém ouviu, que, pelo até hoje conhecido, nunca existiu. Demóstenes e Gilmar Mendes, por exemplo, nunca ouviram o suposto grampo; souberam por uma transcrição.

De resto, aquele teria sido um grampo inédito na história da espionagem. Não flagrou nenhum conversa imprópria. Um grampo a favor.

A Polícia Federal, ao investigar o caso, não encontrou vestígio algum de grampo feito pela Abin. Mas, claro, a notícia de inexistência do grampo saiu em poucas linhas, escondida, aqui e ali.

Quase quatro anos depois, caiu a máscara de Demóstenes Torres, o homem de muitas faces. Uma delas abrigava em seu gabinete uma enteada do amigo, o ministro Gilmar Mendes.

Paulo Lacerda voltou do exílio. Toca sua vida. E aguarda que Demóstenes Torres e Gilmar Mendes, entre tantos outros, lhe peçam desculpas.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Negócios criminosos de Veja e Cachoeira

Documentos da PF mostram que Veja atendia a interesses de Cachoeira

Do: R7 - Rede Record em 06 de maio de 2012

Escutas telefônicas gravadas com autorização da Justiça revelaram uma ligação sombria entre o chefe de um esquema milionário de jogos ilegais, Carlinhos Cachoeira, e a revista Veja, a maior semanal do Brasil.
As conversas mostram uma relação próxima entre o contraventor e Policarpo Júnior, diretor da revista em Brasília (DF).
Segundo documentos da Polícia Federal, Cachoeira teria passado informações que resultaram em pelo menos cinco capas da Veja, além de outras reportagens em páginas internas, publicadas de acordo com interesses do bicheiro e de comparsas.
Trata-se de uma troca de favores, que rendeu muitos frutos a Carlinhos Cachoeira e envolveu a construtora Delta.
O escândalo pode levar Roberto Civita, presidente da empresa que publica a Veja e um dos maiores barões da imprensa do País, a ser investigado e convocado para depor na CPI.
Confira no vídeo a seguir.




sexta-feira, 4 de maio de 2012

Líbia: quem celebra o quê?


Festejos da Vitória?

Assista ao vídeo:
Por: Rolando Segura
Do: rolando segura blog, em 17fev2012


O auto-proclamado governo da Líbia, o Conselho Nacional de Transição (CNT), enfeita por estes dias as ruas e avenidas com a bandeira tricolor da monarquia – com uma meia-lua e uma estrela – desempoeirada faz exatamente um ano por aqueles que estavam apostando em derrubar Qaddafi.
Eles tentam manter os chamados “Festejos da Vitória” no primeiro aniversário do início do que o eco midiático insiste em chamar de "Revolução", "Levante" ou "Rebelião" da "Primavera Árabe Líbia".
Mas o historiador e especialista em terrorismo dos EUA, Dr. Webster Griffin Tarpley, insiste em denominar de outro modo os dramáticos fatos que desencadearam em uma mudança de regime no país norteafricano, logo após a captura, tortura, sodomização e assassinato de Muammar Qaddafi em Sirte, em 20 de outubro de 2011.
Tarpley assegura que se tratou de um "golpe de estado militar, planejado com suficiente antecedência e cujos ingredientes salpicam a França, a Inglaterra, os EEUU e seu aliado Al Qaeda".
Poucos meses atrás, em Tripoli, em meio ao bombardeio da OTAN, tal qual outros pesquisadores como o francês Thierry Meyssan (da Rede Voltaire) e o belga Michel Collon, Tarpley me fazia essas declarações para argumentar que o que aconteceu na Líbia não respondia a um movimento espontâneo de toda a população, como na Tunísia ou Egito. Tratava-se de toda uma operação perfeitamente pensada pelos serviços secretos ocidentais.
De acordo com Tarpley, "existe um acordo secreto de 2 de novembro de 2010 assinado entre os franceses e os britânicos, no qual os dois países decidiram em conjunto que atacariam a Líbia. A operação foi batizada com o pseudônimo de 'Mistral do Sul', que significa 'Ventos do Mediterrâneo'."
Diversas reportagens de imprensa dão conta de que forças especiais da OTAN já estavam no leste da Líbia em meados de fevereiro, justamente quando começaram as primeiras manifestações da oposição. "Franceses, britânicos e norteamericanos", recorda o historiador e especialista em terrorismo dos Estados Unidos.
Tudo parece indicar que o roteiro aplicado na Líbia encontrou terreno fértil nas contradições internas do país como o desenvolvimento desigual entre suas regiões, a corrupção generalizada, o incremento do desemprego e as aspirações insatisfeitas de democracia e respeito aos direitos humanos.
Foi assim que no início de fevereiro Thierry Meysan também me assegurou: "havia manifestações todas as semanas em Benghazi, dessas pessoas que livremente exigiam justiça pelos mortos em uma rebelião numa prisão, onde muitas pessoas foram mortas na tentativa de sufocar o motim.
Mas "em 17 de fevereiro", acrescentou o pesquisador da Rede Voltaire, "no decurso dessas manifestações intervieram elementos armados disparando desde um lugar desconhecido. Ainda não sabemos como tudo isso se passou, inclusive houve mortos na manifestação. A OTAN disse que foi o governo que ordenou disparar contra os manifestantes e o governo disse que não foi assim".
Imediatamente armas apareceram em todos os lugares. De repente também proliferaram pessoas com sotaque muito diferente do árabe falado na Líbia. Várias fontes asseguram que os combatentes da Al Qaeda chegaram desde o Afeganistão, o Iraque e a prisão de Guantánamo.
Quase em uníssono a imprensa também divulgou mensagens não verificadas de Twitter falando sobre 6.000 mortos, ainda que logo depois se descobriu que foram pouco mais de 200 os mortos.
Já então havia sido posta em marcha, como uma corrida contra o relógio, a estrutura de assédio econômico, diplomático, militar, midiático e psicológico contra a Líbia.
Sem informe nem investigação oficial do Secretário Geral ao Conselho de Segurança acerca do ocorrido na Líbia, a ONU legitimou o uso da força e todas as medidas necessárias contra a Líbia para supostamente "proteger os civis".
A espanhola Leonor Masanet, psicóloga de profissão e blogueira por paixão, conhece a Líbia e sua cultura como a palma da sua mão. Foi uma testemunha excepcional do bombardeamento de Trípoli pela OTAN e sob o estrondo dos mísseis confiava na qualidade negociadora dos líbios para encontrar uma saída pacífica. "São muito árabes nesse sentido e estou segura de que nunca teriam chegado aos enfrentamentos de armas, se não tivesse uma influência externa que alimentou, que armou e que provocou a partir do exterior o que está acontecendo", disse Leonor.
A verdade é que em 19 de março começou a operação militar para supostamente proteger os civis na Líbia. Depois de mais de 26.328 incursões aéreas da OTAN, das quais 9.658 foram ataques com bombas e mísseis, o Ministério da Saúde líbio calculava em cerca de 30.000 civis mortos por essas ações. Outras fontes elevam o número de mortos a 100.000.
Mas quatro meses depois de oficialmente declarado o fim da guerra na Líbia, os civis continuam em risco.
De acordo com o próprio chefe do CNT, Mustafa Abdeljalil, seu país ruma para uma guerra civil se não for alcançado logo o desarmamento dos homens que apoiaram a OTAN para derrubar Qaddafi, e que agora se enfrentam entre sí, buscando partes de poder e influência no novo governo.
Ante tal situação, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon solicita agora "a todos os líbios para se juntarem num espírito de reconciliação, para mostrarem que uma revolução feita em nome dos Direitos Humanos não pode ser manchada pela violência, mas deve levar à justiça e a um Estado de Direito."
Mas o caos é tal que se torna incômodo não vê-lo para as organizações internacionais como a Human Rights Watch, Médicos Sem Fronteiras, a Anistia Internacional (AI) ou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).
Esta semana, por exemplo, a Anistia Internacional, no relatório "As milícias ameaçam a esperança por uma nova Líbia", denuncia os "graves abusos" e "crimes de guerra cometidos por estas milícias, contra presumidos partidários de Muammar Qaddafi".
Depois de visitar, de janeiro a início de fevereiro, onze centros de detenção controlados pelos rebeldes ou "revolucionários" no centro e no oeste da Líbia, em 10 deles a Anistia Internacional constatou que os detentos foram “torturados ou maltratados”. Muitos confessaram crimes de estupro ou assassinato que nunca cometeram, “apenas para por fim à tortura que sofriam."
Uma conselheira especial da Anistia Internacional, Donatella Rovera, também revelou que "havia pessoas detidas ilegalmente e torturadas, às vezes até à morte." E disse mais: "A maioria das milícias na Líbia está fora de controle e a impunidade generalizada de que gozam estimula a violência e perpetua a instabilidade e a insegurança no país."
Por sua parte, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) disse por estes dias que mais de 8.500 pessoas continuam encarceiradas sem acusações formais e que milhares de dispositivos (minas) sem explodir permanecem no solo de diferentes regiões do país, como “uma ameaça para os civis que tentam recuperar suas vidas".
Enquanto isso, continuam os confrontos entre grupos tribais e entre os ex-rebeldes e supostos simpatizantes do antigo regime. Somente durante a última semana cerca de 30 pessoas perderam a vida nos combates entre milícias das tribos dos Tubus e dos Zuwaya na cidade de Jufra, no Sul da Líbia.
A guerra parece não haver terminado.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

O que o repórter do "Globo Repórter" viu na Líbia


Georges Latif Bourdoukan nasceu em Miniara-Akkar (no Líbano) em 1943 e veio para o Brasil com dez anos de idade. Em 1959 já militava em grupos estudantis e aos 18 anos iniciou sua carreira jornalística.
Trabalhou para diversos veículos de mídia impressa, dentre eles o jornal Última Hora e a revista Placar. Em 1974 foi para a TV Cultura de São Paulo e posteriormente para a TV Globo, compondo a equipe do programa Globo Repórter e participando ativamente dos acontecimentos políticos-sindicais dos anos 1978/80.
Em 1983 participou da fundação e feitura do Jornal de Jerusalém, especializado em assuntos do Oriente Médio, em 1984 passou a dirigir a Revista Palestina (órgão oficial da OLP no Brasil) e a Revista dos Estados Árabes, viajando pelo Oriente Médio e cobrindo os conflitos na região.
Foi professor universitário, mas desencantou-se com a “domesticação dos alunos pela Academia”.
Deixou o jornalismo diário “para continuar sendo jornalista”, dedicando-se a reportagens mais extensas e à literatura. É colaborador da revista Caros Amigos desde sua primeira edição e já publicou quatro livros: O Peregrino, A Incrível e Fascinante História do Capitão Mouro, Vozes do Deserto e O Apocalipse.
Como jornalista Bourdoukan se indispôs em várias oportunidades com os poderes das ditaduras civil, militar e midiática, pois insistia em informar a população sobre acontecimentos de extrema importância, como por exemplo uma epidemia de meningite (TV Cultura SP, 1974) e a altíssima toxidade, por aplicação abusiva de pesticidas, dos alimentos hortifrutigranjeiros vendidos em São Paulo ("Sal, Azeite e Veneno", Globo Repórter em maio de 1978).
Bourdoukan acredita que o ser humano é a dimensão de todas as coisas e considera a solidariedade o preceito fundamental. Afirma que os árabes e os judeus são ambos semitas e luta contra a exploração, a opressão, o nazifascismo e o sionismo.
Em 1979, quando chefiava o núcleo do Globo Repórter em São Paulo, Bourdoukan viajou para a Líbia com sua equipe para cobrir as comemorações da primeira década da Revolução Socialista Líbia iniciada em 01 de setembro de 1969. Obviamente, o material documental com as mais de duas horas de gravação foi totalmente censurado pela Ditadura Civil-Militar e pela direção das Organizações Globo.
Mesmo assim, graças à integridade e à memória do jornalista, a verdade dos fatos por ele testemunhados vem a público, contrapondo-se à torrente de mentiras da ditadura midiática internacional que tentam justificar a brutal destruição e massacre, pela OTAN (Organização Terrorista do Atlântico Norte), sobre a Líbia e sua população.
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A Líbia que eu conheci

Por: Georges Bourdoukan
Publicado originalmente no BlogdoBourdoukan entre 21 e 27outubro2011


1
Nelson Mandela, assim que foi libertado, foi agradecer a Qaddafi o seu apoio ao povo sul-africano contra o regime do apartheid.
Estive na Líbia em setembro de 1979, por ocasião do décimo aniversário da Revolução que levou Qaddafi ao poder.
Me acompanharam na ocasião o cinegrafista Luis Manse e o operador de Nagra Nelson Belo, Belo (por onde andarão?).
Estávamos ali pelo Globo Repórter, do qual eu era o diretor em São Paulo.
Primeira surpresa. O hotel, para onde o governo nos enviou, estava totalmente ocupado por diplomatas.
Perguntei ao embaixador do Brasil a razão dessa concentração.
A resposta me surpreendeu ainda mais.
Na Líbia de Qaddafi, os aluguéis estavam proibidos.
Os líbios que não tivessem casa, era só solicitar que o governo imediatamente providenciava a construção de uma.
O país era um imenso canteiro de obras.
E mais: Uma lei em vigor, A LEI DO COLCHÃO, determinava que, qualquer cidadão líbio que soubesse da existência de casa alugada, era só atirar um colchão no quintal que a casa passava a ser sua.
Inúmeras embaixadas sofreram com essa lei já que foram ocupadas por líbios.
O próprio embaixador me contou na ocasião que a embaixada brasileira não ficou imune a essa lei.
Um motorista líbio que ali trabalhava informou a um amigo que ainda não tinha casa, que a embaixada do Brasil era alugada.
Imediatamente esse amigo atirou um colchão e reivindicou a propriedade ( uma mansão que pertencia a um italiano que retornou à Itália após a subida ao poder de Qaddafi). O governo líbio precisou intervir para evitar maiores dissabores.
O Brasil acabou ganhando a embaixada e o líbio uma casa nova.
Isto tudo aconteceu na década de 70, quando a Líbia era uma potência riquíssima, com apenas 3 milhões de habitantes, em quase 1.800.000 quilômetros quadrados.
Os líbios, por lei, eram proibidos de trabalhar como empregados de estrangeiros. O líbio que não quisesse trabalhar recebia o equivalente, valores de hoje, a cerca de 7 mil dólares por mês.
E mais: médico, hospital e remédios era tudo de graça.
Ninguém pagava escola e o líbio que quisesse aperfeiçoar seus estudos fora do país ganhava uma substancial bolsa.
Conheci muitos desses líbios na França, Itália, Espanha e Alemanha, e outros países onde estive como jornalista.


2
A bela Tripoli antes da invasão dos Estados Unidos e da OTAN.
Estamos em Trípoli, ano 1979.
Esta noite quase não consegui pegar no sono.
No hotel onde estava hospedado, além dos diplomatas e alguns jornalistas, estavam também delegações de países africanos de língua portuguesa.
Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, etc.
E foram eles que não me deixaram pegar no sono já que, sabendo que eu teria um encontro com Qaddafi no dia seguinte, queriam que eu lhe pedisse mais explicações sobre o socialismo Líbio.
Disseram que nunca haviam visto algo igual. Nem mesmo em livros.
Ficaram admirados com a Lei do Colchão, com a assistência médica, remédios e educação, tudo gratuito.
E pelo fato de ninguém ser obrigado a trabalhar na Líbia e mesmo assim receber uma remuneração “fantástica”, no dizer de um angolano.
Prometi que tentaria obter uma resposta, desde que, de fato, eu conseguisse falar com Qaddafi, por saber que ele era imprevisível e não poucas vezes deixou jornalistas aguardando ad infinitum.
Antes, preciso esclarecer que as portas dos apartamentos dos hotéis não possuíam fechaduras.
Por isso todos podiam entrar no apartamento de todos, razão pela qual nossos apartamentos eram sempre “visitados”.
Perguntei ao gerente do hotel a razão da falta de fechaduras.
Respondeu que na Líbia não havia ladrões como na “época da colonização italiana e por isso as fechaduras eram prescindíveis”.
Mas um diplomata me esclareceu que a falta de fechaduras era para que os “fiscais” do governo pudessem entrar a qualquer hora do dia ou da noite para ver se não havia mulheres “convidadas” nos apartamentos.
“Porque”, prosseguiu o diplomata, “os líbios até hoje falam que durante a colonização italiana e o reinado de Idris, os hotéis serviam apenas para orgias”.
No dia seguinte me preparo para o encontro com Qaddafi.
Manse, com a sua câmera e Belo com seu gravador Nagra me aguardavam ao lado do elevador.
Com cara de sono, reclamaram que seus apartamentos foram “penetrados” umas três vezes de madrugada e foi um susto só.
O carro enviado pelo governo nos esperava na entrada, mas Manse queria tomar mais um cafezinho.
Entrei no carro e aguardei.
Cinco minutos depois Luis Manse, com sua inseparável câmera chegava sozinho.
Perguntei pelo Belo, ele disse que o imaginava comigo.
Perguntei ao nosso acompanhante se ele havia visto o nosso companheiro.
Imediatamente ele foi à portaria perguntar.
Um rapaz simpático respondeu que tinha visto Belo acompanhado por dois policiais uniformizados a caminho da praça que ficava a uns cinqüenta metros do hotel.
Fiquei preocupado, imaginando o pior.
Jornalista acompanhado por policiais no Brasil nunca era um bom augúrio.


3
Qaddafi com seu eterno ídolo, o presidente Nasser do Egito.
Belo e os dois policiais estão parados ao lado de um reluzente carro Mercedes Benz novinho em folha.
Perguntei o que estava acontecendo.
Um dos policiais me disse que o meu companheiro não parava de apontar a chave do carro na ignição. E que eles não sabiam a razão, pois Belo não falava o árabe e nem eles o “brasileiro”.
Então era por isso que eles saíram juntos do hotel.
Nada preocupante.
Belo me explicou e eu traduzi para o policial que ele, ao ver a chave na ignição, ficou preocupado de alguém roubar o carro.
Os dois policiais começaram a rir e disseram tratar-se de um carro abandonado.
Era um costume no país.
Quem não gostasse do carro bastava abandoná-lo com a chave dentro. O interessado podia levá-lo.
Essa era a Líbia da época.
Muita fartura, nenhuma miséria e a abundância ao alcance de todos.
Aliás isso podia se observar nas pessoas.
Os mais velhos, que viveram sob o domínio dos colonialistas e durante a monarquia, eram pessoas alquebradas, corpo seco.
As crianças e os jovens eram saudáveis e alegres.
Só para se ter uma idéia da Líbia sob Qaddafi, tudo custava mais ou menos o equivalente a 3 dólares.
Havia supermercados gigantescos, mas nada era vendido a varejo.>
Quem quisesse arroz, por exemplo, pagava 3 dólares pelo saco de 50 quilos.
Tudo era nessa base.
Fomos visitar o parque industrial de Trípoli e eu pedi para conhecer uma tecelagem. Perguntei como era a relação com os clientes e um técnico alemão que ali se encontrava para montar o maquinário começou a rir.
“Os líbios são loucos”, me disse. E completou: “eles não vendem nada aqui por metro, somente a peça inteira. E para qualquer um que entrar na fábrica e pedir”.
Perguntei o preço da peça: 3 dólares a peça de 50 metros...
Mas se você, por exemplo, quisesse comprar uma gravata, qualquer uma, o preço mínimo era o equivalente a 200 dólares.
Um cachimbo, 300 dólares.
Ou seja, todo produto que lembrasse os colonizadores e, de acordo com eles, representasse ou sugerisse consumo supérfluo, era altamente taxado.
Bebida alcoólica, nem pensar. Dava prisão sumária.
E foi o que aconteceu com dois jornalistas argentinos, cuja “esperteza” os remeteu ao porto e ali compraram de um cargueiro, uma garrafa de uísque.
Um dos funcionários do hotel sentiu o bafo e os denunciou.
É verdade que eles não foram presos, porque eram convidados do governo.
Mas não puderam entrevistar ninguém, muito menos o Qaddafi...
E nós só soubemos disso porque o embaixador do Brasil, uma figura simpaticíssima, uma noite nos convidou para a Embaixada e, ali, nos ofereceu um uísque de não sei quantos anos (guardado a sete chaves num cofre), que Manse e Belo acharam delicioso.
Claro que eu também bebi um gole, apesar de detestar uísque.
Seja de que marca for, de que ano for.
Sempre me lembrou o gosto de iodo.
Evidentemente não faria uma desfeita ao embaixador tão solícito.
Não estalei a língua porque aí seria demais.
Antes de nos despedirmos, o embaixador nos ofereceu um litro de leite para cada um, pois segundo ele o leite disfarçaria o nosso hálito.
Na porta, perguntei ao embaixador se ele poderia nos dar um depoimento.
“O Qaddafi é um Gênio”, respondeu.
Surpreso, perguntei.
O senhor considera o Qaddafi um Gênio?
Sim! Um Gênio!


4
Qaddafi libertou as mulheres alistando-as nas Forças Armadas.
Então o senhor considera Qaddafi um Gênio?
Sim! Respondeu o embaixador. Um Gênio! E amanhã o senhor vai ter uma prova disso.
Não entendi.
Amanhã vai haver um desfile em comemoração ao décimo aniversario da Revolução. Assista e veja se não tenho razão.
O dia seguinte amanheceu glorioso. E eu já estava preocupado.
Se o país vai parar para comemorar o décimo aniversário da Revolução, será que Qaddafi vai encontrar tempo para a entrevista?
A população lotava a praça e as ruas onde seriam realizados os desfiles.
Um fato me chamou a atenção.
Havia milhares de meninas adolescentes com uniformes militares prontas para o desfile. Sorriam um sorriso que somente as adolescentes possuem.
Impressionante a sua alegria.
Foi assim que Qaddafi libertou as mulheres, que antes não podiam atravessar a porta de casa e nem tirar as vestimentas que cobriam seu corpo de cima abaixo, me confidenciou o embaixador.
É ou não um gênio?
Essas adolescentes saem de casa bem cedinho usando o uniforme militar e retornam para suas casas no fim do dia. Elas só não dormem no quartel.
E têm autorização para não tirar o uniforme.
Depois do serviço militar elas jamais voltam a se vestir como anteriormente.
Então é por isso que as mulheres líbias se vestem como as ocidentais?
Mas vez ou outra deparamos com mulheres com roupas tradicionais.
Terminado o desfile, um membro do governo me diz que Qaddafi nos receberia não mais em Trípoli, mas em Benghazi, a bela cidade mediterrânea.
E que nos buscariam de madrugada pra viajarmos os 600 quilômetros que separam as duas cidades.
Fico sabendo nesse dia que a energia elétrica que ilumina o país é de graça.
Ninguém recebe a conta de luz, seja em casa ou no comércio.
E quem tiver aptidão para empresário, pode buscar os recursos necessários no banco estatal e não paga nenhum centavo de juros.
A divisão da riqueza do país com sua população, em nome do islamismo, criou um sério problema para os demais países muçulmanos, principalmente Arábia Saudita.
E desde então, Qaddafi nunca poupou os dirigentes sauditas que acusou de terem se apossado de um país que jamais lhes pertenceu e de serem “infiéis que conspurcavam o verdadeiro islamismo”.
“Trocaram o Profeta pelo petróleo”.
Pela primeira vez usava-se o Alcorão contra aqueles que se diziam seus defensores.
Os sauditas, acuados, só conseguiam dizer que ele era “comunista”.
Qaddafi respondia que ele apenas seguia o Alcorão ao pé da letra.
Várias revoltas começaram a eclodir na Arábia Saudita e países do Golfo.
Estados Unidos e mídia associada começaram a arregaçar as mangas.
Era preciso defender a vassala Arábia Saudita e transformar Qaddafi num pária.
Na volta ao hotel, dou de cara com revolucionários da África do Sul. Estavam na Líbia em busca de fundos para lutar contra o apartheid.


5
A bela Benghazi, antes da invasão dos EUA-OTAN.
Vamos falar francamente.
Eu estava me esforçando para realizar um programa que dificilmente seria exibido.
Naquela época o Globo Repórter registrava uma audiência enorme, entre 50 e 65, com pico de 72.
Além do mais, vivíamos sob o tacão da ditadura.
Mas já que estávamos lá, vamos tocar o barco e ver no que vai dar.

À noite, no hotel, alguém abre a porta e me pergunta se posso conversar um pouco.
Era o chefe da delegação de Guiné-Bissau e estava empolgado. Nunca imaginara conhecer um país como a Líbia.
Perguntou como foi o meu encontro com Qaddafi.
Respondi que o encontro seria no dia seguinte em Benghazi.
Enquanto conversávamos, um “fiscal” do governo, entra no quarto e nos cumprimenta sorridente.
Dá uma olhada rápida e com aquele sorriso de comissária de bordo, nos agradece e vai embora.
Mal passaram 10 minutos e a porta novamente é aberta. Um jornalista do Rio de Janeiro, meu vizinho de quarto entra desesperado.
–- Uma coca cola pelo amor de Deus. Meu reino por uma coca-cola. Vou descer até o saguão, alguém precisa me informar onde consigo comprar coca cola nesse país de birutas.
E nem esperou o elevador. Desceu pela escada mesmo.
–- Maluco esse seu vizinho, me confidenciou o guine-bissauense( é assim mesmo que se diz?). E além do mais ainda ofendeu Shakespeare.
Em seguida ele me revela que conheceu muitos revolucionários de países diferentes que se encontravam na Líbia em busca de recursos.
Inclusive sul-africanos. –- Entregaram uma carta de Nelson Mandela para o Qaddafi pedindo para ele não esquecer seus irmãos africanos, respondeu feliz dando a entender que eles foram atendidos.
Novamente o “fiscal” com sorriso de comissária de bordo entra. Desta vez para nos convidar a assistir no salão do hotel a um filme sobre os “horrores” da herança colonialista.
Na verdade não era um filme, mas um documentário de 15 minutos e se a idéia era para que a platéia se indignasse, o efeito foi o contrário.
O documentário mostrava a noite em Trípoli. Garotas seminuas andando nas ruas em busca de clientes, “inferninhos”, cabarés, bebidas alcoólicas, muitas bebidas, e por aí vai. E o pior, terminada a exibição vários aplausos da platéia, principalmente de jornalistas, pedindo a volta dos colonizadores...
Isso sim é que era época boa, exclamou o jornalista carioca, agora ao lado de um colega mineiro que completou: “eta paisinho que nem coca-cola tem”.
Quatro da manhã somos acordados. Do aeroporto de Trípoli seguimos para Benghazi, onde finalmente vamos entrevistar Qaddafi.


6
“Sobreviverei ao meu verdugo” - Omar Moukhtar o herói nacional da Líbia, preso e enforcado pelos colonialistas italianos em 1931.
Muammar Qaddafi em visita oficial à Itália em 2009. A foto na lapela mostra que o assunto não fora esquecido pelos líbios.
Quando desembarcamos em Benghazi, a belíssima Benghazi, tamareiras enfeitavam suas praias.
Estavam ali como os coqueiros nas praias do nordeste.
Era colher e comer tâmaras dulcíssimas.
Um jornalista suíço que chegara a Benghazi uma semana antes, me confidenciou que não deveria perder um casamento. Qualquer um, disse.
Estava realmente deslumbrado com a festa e o que o deixou mais impressionado, é que os noivos, depois da cerimônia, recebem um envelope do governo com o equivalente a 50 mil dólares de presente.
Bem, essa era a Líbia que pouca gente conhecia e a mídia ocidental não fazia nenhuma questão de mostrá-la.
E não poderia, pois como explicar a seus leitores que havia ascendido ao poder um jovem coronel que não utilizou a riqueza em benefício próprio?
pelo contrário. Havia dividido a riqueza com a população do país.
Que não queria ver ninguém sem teto, sem fome, sem educação e sem muitas outras coisas mais.
Eu, naturalmente, iria sem dúvida nortear a minha entrevista a partir desses pontos. Mas antes da entrevista, fomos a três festas com músicos árabes de diversos países.
E haja doce.
E haja suco.
E nem um “uisquinho”, lamentavam alguns jornalistas que, sinceramente, acho que estavam no país sem saber por que e para que.
As festas corriam em tendas beduínas, algo que Qaddafi sempre prezou.
Finalmente cara a cara com Qaddafi.
Aparentava cansaço.
Alguns dos assuntos discutidos:
  1-Socialismo líbio;
  2-Educação;
  3-Reforma agrária;
  4-Moradia;
  5-Alinhamento;
  6-Arabismo;
  7-Socialismo chinês, soviético, cubano;
  8-Apoio aos movimentos revolucionários;
  9-Che Guevara;
10-Estados Unidos;
11-Brasil;
12-Liberação feminina
13-Reencarnaçao de Omar Moukhtar.

A entrevista, que seria de 40 minutos, durou mais de duas horas e creio que passaríamos a noite conversando se ele não fosse a toda hora solicitado.
Naturalmente a Globo achou melhor não colocar o programa no ar, pois poderia melindrar a ditadura.
Foi feita uma proposta para que um programa de 15 minutos fosse ao ar no Fantástico.
Foi realizada a reedição, mas o programa teria sido proibido pelos censores oficiais da ditadura (civil-militar-midiática.)
Tudo culpa da ditadura.
Será?
Óh céus! Óh terra! Quando nos livraremos desse sistema putrefato?


Final
Qual foi o grande erro de Qaddafi?
Eu não tenho a menor dúvida.
Foi acreditar nos euro-estadunidenses e desistir de sua bomba atômica.
Os pacifistas que me perdoem.
Aqui não se trata de incentivar a produção de ogivas nucleares, mas de persuasão.
O Brasil que tome jeito e comece a produzir a sua.
Caso contrário, a própria mídia brasileira, associada ao Império, fará de tudo para que o país seja invadido e ocupado.
Qaddafi não ficou rico, como os produtores de petróleo do Golfo.
Dividiu a riqueza do país com a população.
Apoiou todos os movimentos revolucionários de esquerda do mundo.
Inclusive os brasileiros.
Em nenhum momento esqueceu a população negra da África.
E da África do Sul, onde, em agradecimento, um neto de Nelson Mandela chama-se Qaddafi.
Quando Nelson Mandela tornou-se o primeiro presidente da África do Sul em 1994, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton fez de tudo para que Mandela parasse com os agradecimentos quase diários a Qaddafi pelo seu apoio à luta dos revolucionários africanos.
"Os que se irritam com nossa amizade com o presidente Qaddafi podem pular na piscina", respondeu Mandela.
O presidente de Uganda Yoweri Museveni afirmou que "quaisquer que sejam as falhas de Qaddafi, ele é um verdadeiro nacionalista. Prefiro nacionalistas do que marionetes de interesses estrangeiros".
E disse mais:
"Qaddafi deu contribuições importantes para a Líbia, para a África e para o Terceiro Mundo. Devemos lembrar ainda que, como parte desta forma independente de pensar, ele expulsou bases militares britânicas e americanas da Líbia após tomar o poder".
Além disso, o ex-líder líbio também teve papel importante na formação da União Africana (UA).
A principal coordenadora da guerra contra a Líbia, Hillary Clinton, andou pela África pregando abertamente o assassinato de Muamar Qaddafi.
Como não teve sucesso, começou a recrutar mercenários.
Aliás foram esses mercenários, inclusive os esquadrões da morte colombianos, que lutaram na Líbia. E eles não foram dizimados graças à Organização Terrorista do Atlântico Norte (OTAN) e EUA.
Quem puder pesquisar, quando Qaddafi nacionalizou as empresas petrolíferas e os bancos, a mídia Ocidental referia-se a ele com Che Guevara Árabe.
Antes de ser deposto e linchado pelos mercenários a mando dos terroristas OTAN e EUA, a Líbia possuía o maior índice de desenvolvimento humano (IDH) da África, e até hoje maior que o do Brasil.
E o que pouca gente sabe, em 2007 inaugurou o maior sistema de irrigação do mundo. Transformou o deserto (95% da Líbia) em fazendas produtoras de alimentos.
Aliás, assim que subiu ao poder os líbios que quiseram produzir alimentos receberam terra, equipamentos, sementes e 50 mil dólares para sobreviver até a safra.
Foi uma Reforma Agrária total e irrestrita.
Ele também pressionou pela criação dos Estados Unidos da África (EUA) para rivalizar com os eua e união européia.
Ele lutou por uma África una: “Queremos militares africanos para defender a África. Queremos uma moeda única. Queremos um só passaporte africano".
Lamentavelmente esqueceu a Bomba Atômica. E pagou por isso.
As nações que querem se emancipar que pensem nisso.