quarta-feira, 14 de março de 2012

A utopia líbia e o feroz Imperialismo (II)



Este vídeo foi filmado, editado e legendado por © Harry Fear (http://HarryFear.tv)


A Líbia a África e o Imperialismo:
Dan Glazebrook, Lizzie Phelan e Harpal Brar

Transcrição do vídeo para a língua portuguesa

Parte II

Lizzie Phelan
(de 0:16:48 a 0:28:37)

Obrigada por me convidarem
Eu estive na Líbia duas vezes nos últimos 6 meses desta crise. Na primeira vez integrei uma missão de paz e na segunda vez fui correspondente da Press TV e também fiz algumas reportagens para a Russia Today, saí depois da "queda" de Trípoli onde estive durante aquela semana horrível de combates em Trípoli.
Acho que o Dan realmente contextualizou bem como a guerra da Líbia foi uma guerra contra a África e apenas queria acrescentar algumas coisas.
O Dan mencionou como a Otan atingiu mais de 100.000 soldados na Líbia, mas também houve milhares de homens e mulheres comuns, houve muitas mulheres, que foram voluntários desde o início da crise, para defender o seu país e receberam armas do governo e durante aquela semana em Trípoli quando os combates começaram, testemunhei como homens e mulheres comuns pegaram as armas que tinham sido treinados para usar, durante os 6 meses, para defender o seu país.
Como jornalista, vou falar um pouco do papel da mídia e esta foi antes de mais nada uma guerra midiática.
Dan aludiu com veemência à criminalização do governo líbio e de Kadafi. A mídia disse que milhares de pessoas estavam prestes a serem mortas em Benghazi, mas nunca nos mostraram nenhuma evidência.
Disseram-nos que 6000 pessoas tinham sido mortas pelo governo. Organizações de direitos humanos confirmaram que aproximadamente 250 pessoas foram mortas, de ambos os lados.
Eles disseram que o governo líbio estava atacando o seu próprio povo pelo ar, mas satélites russos de inteligência não registraram nenhum vôo nessa época.
Eles disseram que o governo estava contratando mercenários africanos, nunca nos mostraram as evidências. Em vez disso, vimos os vídeos de linchamentos públicos de líbios negros e negros de outras nacionalidades, pelas tropas terrestres da Otan, os "rebeldes", com várias pessoas registrando a cena com celulares sob o olhar complacente de forças especiais ocidentais.
Eles disseram que Kadafi era odiado pelo seu povo, mas nunca mostraram os 1,7 milhões de pessoas de um país de 6 milhões de habitantes, na Praça Verde, em 1º de julho 2011, ou a multidão em Tarhuna, em Sabha, em Beni Walid, em Sirte, e por todo o país, que demonstraram o compromisso de lealdade ao seu líder e à Jamahariya.
Eles nunca nos mostraram as multidões, como eu disse, de homens e mulheres comuns que aceitaram a oferta de armas pelo governo para defender as suas famílias, seu bairro e seu país, de pessoas que os queriam condenar à escravidão do imperialismo.
Eles disseram que estavam alvejando as forças militares de Kadafi, eles ignoraram as 33 crianças, 33 mulheres e 20 homens que eu vi serem enterradas na pequena e tradicional cidade de Majer, em Zlitan, no início de agosto.
Eles disseram que, em 21 de agosto Trípoli caiu sem resistência.
Mas eles não nos disseram que em apenas 12 horas 1300 pessoas foram massacradas naquela cidade e 9000 ficaram feridas.
Eles disseram que Trípoli caiu sem resistência e que Saif el-Islam tinha sido preso e capturado. E que o complexo de Kadafi, Bab al-Aziziya tinha sido tomado pelos "rebeldes". Mas apesar do próprio Saif el-Islam ter aparecido no hotel onde me encontrava retida (Rixos) e ter conduzido um grupo de jornalistas pelas cercanias para que vissem com os próprios olhos a real situação, eles não nos mostraram as milhares de pessoas enchendo Bab al-Aziziya e as ruas de Trípoli, hasteando a bandeira verde, na noite de 22 de agosto.
Eles disseram que Trípoli caiu sem resistência.
Mas não nos mostraram as 24 horas após aqueles jornalistas de todas as principais redes ocidentais terem ido ao local, que Bab al-Aziziya foi atingida 63 vezes por bombas da Otan.
Eles não nos mostraram que todos os grupos de pessoas reunidas para defender a sua capital daqueles que queriam mandá-los de volta aos tempos do fantoche colonial, Rei Idris foram atacados por mísseis e helicópteros Apache.
Eles não nos mostraram como o bravo povo de Abu Salim, a área mais pobre de Trípoli, a área pró-Qaddafi mais resistente, resistiu por 5 dias até que em 24 de agosto a Otan passou a atacar qualquer coisa que se mexesse, espalhando milhares de corpos pelas ruas.
Eles nos disseram que o país tinha sido "libertado", mas 6 semanas depois os "rebeldes" reconheceram que não estavam conseguindo transferir o seu quartel-general para a capital.
Desculpem... Os "rebeldes" confirmaram, acho que hoje, que eles também não estão conseguindo tomar Beni Walid e que Sirte também oferecia forte resistência.
Portanto, o Qaddafi "genocida" tão "odiado" pelo seu povo que eles tiveram que pedir que a Otan bombardeasse o seu próprio país, tão "odiado" que a capital caiu "sem resistência".
Ou será a Otan o verdadeiro genocida?
Matando a multidão de líbios, porque eles morreriam pelo seu líder como aconteceu em Trípoli?
Eu sei qual é a resposta, para a qual há um monte de evidências.
Na verdade há tantas evidências que até o jornal conservador "The Telegraph" foi incapaz de se esconder delas. Entre inúmeras reportagens que mostram a ausência de popularidade dos "rebeldes", popularidade essa que é de Qaddafi, uma reportagem publicada nesta semana relata o que ouví quando estava em Trípoli.
Uma habitante de Sirte, Susan Fadjan, disse: "Nós vivíamos numa democracia com Muammar Qaddafi, ele não era um ditador, eu tinha liberdade, as mulheres líbias tinham direitos totalmente reconhecidos. Não se trata de precisarmos ou não de Gadafi de novo, mas queremos viver como vivíamos antes".
Mais adiante, no mesmo artigo, o menino de 8 anos Mabuka diz: "A vida era boa com Qaddafi, nunca tínhamos medo".
Mais adiante, no mesmo artigo, uma senhora idosa diz: "Eles estão matando as nossas crianças. Por que estão fazendo isso? Para que? A vida era boa antes"
E uma outra diz: "Todos gostam de Qaddafi. E gostamos dele porque gostamos da Líbia. Agora os rebeldes assumiram o comando, teremos que aceitar isso, mas Muammar sempre estará nos nossos corações".
A incrível reviravolta da Al Jazeera, que antes era uma voz que criticava as guerras imperialistas de agressão no Iraque, no Afeganistão e na Palestina, passou a apoiar abertamente o mesmo tipo de agressão contra a Líbia, Síria e até mesmo agora contra as nações progressistas da América Latina foi talvez o maior golpe de propaganda que presenciei em toda a minha vida.
Cooptando o apoio da fiel audiência árabe que tinha no Ocidente, cujas vozes ganharam especial proeminência durante a moda da assim chamada "Primavera Árabe", representou um passo importante no sentido de unir todos os círculos progressistas no Ocidente na criminalização de Qaddafi, quando, na verdade, esses círculos deveriam ter enaltecido a não tão na moda Jamahiriya, e conhecido mais a respeito dela.
Agora todas as cartas estão na mesa.
O diretor geral da Al Jazeera Wadah Khanfar foi demitido, como consequência da divulgação pelo Wikileaks de cabos que mostraram que ele recebia ordens de ninguém menos do que a CIA. Ele foi substituído por um membro da família real do Qatar, que se comprometeu completamente na guerra contra os seus outros irmãos e irmãs árabes na Líbia.
Mas independentemente do fato do papel da Al Jazeera estar claro como o dia agora, ela continua a influenciar, impávida, com os mesmos truques, uma platéia ocidentalizada sensível aos argumentos liberais com as suas estórias sobre como a maior tragédia dos povos dos estado soberanos do Sul Global é a ausência de democracia.
Pelo menos no Ocidente essa democracia falhou.
O interesse da Al Jazzera na defesa desta ideologia é evidente: o Qatar hospeda a maior base militar no Oriente Médio do CENTCOM (Comando Central das Forças Armadas dos EUA) e são, é claro, amigos íntimos.
Ao sair do Hotel Rixos, onde fiquei retida por 5 dias, tive o mais surrealista e provavelmente o pior dia da minha vida.
(foi um dia ruim...)
A cidade segura e hospitaleira, cheia de vida e calorosa, na qual eu tinha andado nos dias anteriores se transformara. Ela estava em ruínas e não se podia olhar para nenhuma direção sem ver armas de todos os calibres.
Muitas pessoas tinham buscado refúgio, sido mortas, e milhares tinham fugido. E as pessoas que eu tinha conhecido e que ficaram, que foram as mesmas pessoas que me ajudaram a conhecer a gloriosa história recente da Líbia de Gadafi, estavam inevitavelmente traumatizadas e em completo estado de choque.
A Líbia alcançou a condição, como disse Dan, de país com os maiores padrões de vida na África: um alto grau de alfabetização, sistemas de saúde e educação gratuita para todos, um status elevado da mulher na sociedade, e o grau mais elevado de igualdade para a grande parcela da população negra em toda a África do Norte e Oriente Médio. Esses 40 anos de resultados revolucionários foram agora anulados.
E para quê?
Há um ano atrás, após guerras sangrentas no Iraque e Afeganistão, e com a crescente crise econômica das nações imperialistas, parecia uma possibilidade remota que o Ocidente tivesse a capacidade para embarcar em mais uma guerra dispendiosa e embaraçosa.
Parecia que a hegemonia do Ocidente estava chegando, rapidamente, ao fim. Como disse o irmão próximo de Qaddafi, Hugo Chávez, na sua mensagem recente à Assembléia Geral da ONU, "Neste momento existe uma séria ameaça à paz global", disse ele, "um novo ciclo de guerras coloniais, que começou na Líbia, com o objetivo sinistro de renovar o sistema capitalista global".
Ele sabe que o seu país será um alvo nesse ciclo exatamente pela mesma razão que usaram na Líbia e estão usando agora na Síria.
Na ausência de uma mídia efetiva anti-imperialista, que desafie e desnude os truques que o imperialismo perpetua através da sua mídia global, o desafio que todos os agentes progressistas devem empreender é defender os estados soberanos do Sul Global que, como a Líbia e a Síria representam uma pedra no sapato para o Ocidente.
Caso contrário, serão colhidos um por um, para servirem de combustíveis ao fogo voraz do imperialismo.
E com esta nota quero terminar, com o meu mais caro agradecimento à heróica resistência verde líbia que continua a espantar o mundo com a sua capacidade de conter a máquina militar mais poderosa do mundo.
Como Qaddafi disse, eles não estão defendendo apenas a Líbia, mas também a Síria, o Iran, a Argélia, o continente africano e todo o Sul Global.
Obrigada.

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